terça-feira, 26 de agosto de 2008

Uma Mulher Re-inventada

Eu tô lendo "Uma Vida Inventada - Memórias Trocadas e outras histórias", aquele livro novo da Maitê Proença. O livro é meio que um blog impresso, afinal ela vai jogando, assim, umas idéias meio soltas, meio livres no papel. E tudo junto, de alguma forma, vai desencadeando no livro. Ponteado apenas por uma espécie de roteiro não-linear que permeia a história principal que é, entre algumas mentiras e outras verdades, a história da vida dela: a menina que teve aos 12 anos a mãe assassinada pelo pai apaixonado, que viajou pelo mundo, que se entregou a todo tipo de intensidades, e outras loucurinhas decorrentes.

Ela ficou do lado do pai. E creio que poucos possam entender o que ela escreve tão claramente quanto a isso. Maitê, pelo menos a que está nas páginas, é uma mulher que não nasceu para o convencional. É uma mulher que, assim como eu, tem seus pudores e suas formalidades. Mas também tem um lado impulsivo e impetuoso que se alimenta de intensidades. Fodam-se as convenções, foda-se o que é literalmente certo ou errado. Foda-se! Existe a vida, e existe o que a gente faz dela... uma sucessão louca de histórias e razões desembestadas que, muitas vezes condenáveis à primeira vista, são simplesmente aquilo que tem que ser em outro ângulo... Dessa forma, acreditamos (eu e ela) que um assassino não passa de alguém como nós, um cara que até ontem andava por aí, trabalhava, ia às compras... nosso pai, nossa mãe, nosso irmão... quando, de repente, por uma série de acontecimentos intencionados ou não... Bah! A vida vira do avesso...

Eu já convivi com uma série de hipócritas, de falso-moralistas... e daí? O que vcs tem de melhor? Nada... um bando de merda. Um bando de idiotas que se acham melhores por viverem assim, protegidos no seu mundinho medíocre, destinados à morte pela forma mais dolorosa, a vida.

Enfim, isso tudo é pra dizer que eu me identifiquei com ela. Eu SEMPRE me identifiquei com ela. E isso nem tá relacionado a ela como atriz global, ou símbolo sexual, ou colunista, ou autora, ou escritora, ou o que quer que venha por aí. Me identifico pela admiração que me causa ver uma mulher, ao ponto que chegou, reinventar-se ainda mais, pela inteligência. Descobrir novos horizontes, novos rumos... e desafiá-los sem medo.... Queria mesmo, depois desse livro, ter Maitê assim, pertinho, amiga íntima, para trocar histórias e confidências... Afinal é de gente assim que eu preciso em minha vida: gente rara...

***

"Tem um congestionamento aqui dentro de mim. São muitas pessoas querendo falar, se exibir, se expressar. Achei que estava entrando num período de calmaria, a maturidade afinal, e de repente esse furacão. As incompatibilidades de conceitos, o sobe-e-desce emocional, é um mulherio afoito que parece não caber no meu corpo pequeno."

"Talvez esteja tentando construir uma ponte mais sólida entre mim e as pessoas porque preciso me comunicar para sair do isolamento onde me enfiei para me proteger, ora... da solidão. Escrevo contra a solidão. E quando eu derramar aqui toda a intimidade, com a lista exposta a minha frente, nessa associação livre, talvez a vida se revele dando algum sentido à caminhada."

Maitê Proença

5 comentários:

Serginho Tavares disse...

é incrível como por mais que tentamos fugir desses falsos moralistas eles estão muitas vezes escondidos onde menos achamos que poderíamos encontrá-los

eu quero ler esse livro. Maitê é fantástica.
e você também. por sinal...por onde andas??????

beijos

Marion disse...

Eu gosto da Maitê. Sempre gostei dela e acho um ato muito corajoso ela escrever um livro tão pessoal assim.

beijos. Adorei o post!

RAPHAEL JÚDICE disse...

Desculpe, mas a Maitê é uma moralista.É tão moral, que usou de seu poder de autonomia para fazer uma escolha, e assumir as consequências destas escolhas, com resultado positivo ou negativo.
Discordo quanto ao assassino. Creio que ele é um ser humano mesmo depois de sua infração. Mas a questão não é ficar ao lado do assassino ou não. A questão é ficar ao lado de um princípio maior, que é o respeito a própria vida. Quando esta infgração é cometida, seja qual for o motivo, é preciso que o sujeito responda pelo seu ato, e descubra um jeito de reparar uma situação que é irrepáravel.
Não acho louvável ela ter ficado ou não ao lado do pai. Acho louvável ela abrir espaço para que ocorra esta reparação.
Outra coisa: não acho que existam mundinhos medicores. Existem concepções de mundos diversos, que simplesmente são reflexos daquilo que o sujetio deseja para si, ou que de certa forma impuseram à ele, sem lhe dar muitas opções de escolha.
Ter novos horizontes, e ter um espírito inovador é mais do que romper com regras e convenções. É comprrendê-las em sua gênese e importância e atuar sobre elas, a ponto de reinventá-las sem derespesitá-las.
Não acho a Maitê melhor que um evangélico,um católico fundamentalista ou um ateu ...porque não existem posturas melhores, existem posturas.
O que acho é que talvez ela tenha tido condições tanto orgânicas, quanto ambientais e emocionais que lhe proporcionaram perceber sua vida, pensar e agir sobre seu pensamento, refletindo e com isso identificando e modificando o conceito das coisas, logo modificando suas atitudes. Isto é uma atitude altamente moral!
Não existem falsos moralistas! Existem pessoas heterônomas! Moralidade exige autonomia.
Acho que antes de chamarmos alguém de falso moralista, precisamos perguntar o quão autônomos somos, e se percebermos que ao olhar para o outro, vemos a nós mesmos e não o outro, e se simplesmente desrespeitamos a convenção, sem compreendê-la ou agir sobre, então desculpe, isso nos leva a perceber o grau de nossa heterônomia.
Agora se queremos vislumbrar uma nova ética, permeada por uma moral justa, então precisamos repensar nossa própria postura no mundo e através dela reconstruir este nosso mundo tão machucado.
Talvez a Maitê tenha um pouco mais de autonomia e seja um pouco mais sensível, até mesmo por ser artista.Mas acho que podemos ter reflexões mais profundas sobre seus relatos...grande abraço.

Demian disse...

Serginho, tô aqui! Tô aqui!

Patry, pois é, meu bem...

Rapha... em outros termos, creio que estejamos falando da mesma coisa...

Claro que a justiça - com seus atropelos ou não - está aí para ser cumprida. Todos sabemos das consequências de nossos atos. A questão é que, nessas horas, e em outras mais simples, o que eu vejo são um bando de urubus precipitados insistindo em julgar, sem ter aquela delicadeza necessária para lhe conhecer as razões. Em um exemplo, esses dias soube do assassinato da prima de um amigo (louca, drogada e prostituída) que foi esquartejada cruelmente. O que se seguiu foi um show de horror: a família revirando o caixão para lhe conferir as marcas, um bafafá hediondo sobre o seu mal comportamento. Quando poucos, na verdade, tiveram a compaixão de compreender as razões que a levaram ao triste fim. Isso sim, pra mim, é falso moralismo da pior ordem. É hipocrisia pura! Lamentável!

Eu não sinto, nesse livro, nenhum intuito da Maitê de colocar o jogo em discussão. Tampouco de se colocar acima ou abaixo do que quer que seja. É apenas um relato disperso sobre os temas que estavam jogados lá no fundo - recheados de ilusões pitorescas e literárias - como uma forma de estabelecer uma ordem para si própria. O que está em jogo não é se as saídas e soluções que encontrou foram certas ou erradas (até porque nunca saberemos o que é real ou ilusório nisso tudo), mas sim as questões, sentimentos e composições que decorreram disso tudo e a fizeram ser o quem é.

É um registro de fragilidades, assim como esse blog. Embora eu mesmo ainda me sinta tão recatado e oculto no que escrevo.

A arrogância, se pode ser chamada assim, se encontra somente naquela liberdade de alguém que, em muitas ocasiões, não teve nada a perder.

Eu a admiro. Assim como admiro essa liberdade e coragem de quem ainda continua a se reinventar. De quem ainda continua buscando novas saídas e razões para continuar vivendo. Mesmo que sua última escolha seja fugir tímidamente para um oásis da existência.

Beijos!!!

RAPHAEL JÚDICE disse...

Concordo com vc sobre a negação do direito da dúvida. Todos querem julgar o tempo todo, e pedem constantemente uma justiça sem causa, que na verdade não é justiça é desespero. São poucos os que perguntam a causa das coisas.São poucos que se interessam pela gênese dos fatos.
Nossa sociedade é alopática. Ao invés de descobrir e tratar o que dói, recorre ao remédio para anestesiar a dor. Mas mesmo assim ainda questiono meu amigo, e o faço aqui, porque sinto falta de ter conversas homéricas contigo, daquelas que a gente afunda e volta renovado, a questão da hipocrisia.
Por mais incorreta, alopática e rasteira que possa parecer as ações dos pares da prima de seu amigo , acho que é preciso se colocar no lugar destas pessoas. Qão preparadas estão para achar a gênese? Quão preparadas estão para vivenciar uma dor como esta? Quão preparadas estão para se indignarem com a ação cruel e com o contexto da pessoa em questão? Falo isso, porque podemos perceber que os urubus só se expressam, quando não podem suportar a si mesmos, e então renegam o direito da dúvida, porque colocar uma situação em dúvida requer colocar a si mesmo em dúvida.
Quando nos colocamos no lugar dos outros paramos de nos indgnar com os outros para nos indgnarmos com sua ações. Parar para repreender não o outro, mas sua ação nos dá um pouco de esperança, pois ações são passíveis de mudança à partir de uma reflexão mais comprometida. Agir sobre a ação do outro, permite que este mesmo outro se modifique, e aí está a grande chave da questão.
Enfim, falo sobre generosidade, inclusive àquela que diz respeito ao perdão e à compreensão do outro.
Acho a Maitê muito generosa, consigo mesma e com o outro, pela sua história e até mesmo pela postura de publicar e assumir estas fragilidades.
Estamos falando talvez sobre a mesma coisa, mas sobre pontos diferentes...
Detalhe, só não pode perder quem nada tem, e acho difícil alguém não ter nada...pelo menos em algum momentos temos a nós mesmos.
Existem aqueles que não querem se arriscar a se reinventar, mas assim agem pois no fundo é isso que procuram. Nem todo mundo nasceu para ser visionário, martir ou artista, e acho que mesmo estes, devem ser respeitados.
Sei sobre o livro vagamente por entrevistas e artigos. Assim que coseguir ler e obter minhas impressões poderemos discutir melhor.beijos.